OBESIDADE PARA PROFISSIONAIS

A obesidade não é apenas um problema estético, mas uma doença crónica, complexa, multifactorial, progressiva e que recidiva que requer cuidados especializados e individualizados e acompanhamento contínuo para a vida toda

Obesidade Para Profissionais de Saude

A obesidade em foco: um olhar multidimensional

Muitas pessoas (adultos e crianças) cresceram a ouvir dizer “come menos, mexe-te mais” e não poderia haver frase mais estigmatizante e mais frustrante ao mesmo tempo, como se o peso de cada um dependesse única e exclusivamente de uma vontade própria. Foram-se criando ideias e pensamentos pré-concebidos acerca das pessoas que resultaram num comportamento negligente e discriminatório relativamente a uma entidade que hoje sabemos ser uma doença - A Obesidade. E como qualquer outra doença tem causa(s), tratamento(s) e implicações na saúde, física e mental do doente.

Muitas variáveis estão envolvidas na determinação do peso de cada um, desde as genéticas (hereditárias) e metabólicas, passando pelas comportamentais, profissionais, familiares, sociais, culturais e económicas, além das iatrogénicas (induzidas por tratamentos que a pessoa faça para tratar outra doença) e/ou das patológicas (ou seja, causadas por doenças como o hipotiroidismo ou o síndrome/doença de Cushing). São inúmeras as causas que concorrem para o excesso de peso/obesidade e muitas vezes são multifatoriais, cruzando-se entre si e ao longo da vida do doente, pelo que uma abordagem tão simplista quanto “come menos, mexe-te mais” não poderia ser mais redutora.

É necessário encarar a obesidade como uma doença crónica que exige (e merece) tratamento e acompanhamento personalizados, para a vida toda. E este tratamento multidisciplinar não se esgota num plano alimentar único e padrão, de 60 dias, muito menos em 3 meses de ginásio. É necessária uma alteração do estilo de vida para a vida toda e que seja exequível e adaptada a cada um, à sua religião, profissão, crença ou estado atual. Quando se fala em estilo de vida fala-se em plano alimentar (escolhas alimentares), exercício (o melhor exercício é o que a pessoa efetivamente fizer e que lhe traga gozo, para que não desista à mínima chuva ou orvalho), ser-se ativo no dia a dia (usar mais as escadas, caminhar mais, etc.), dormir bem e ter uma boa gestão dos níveis de stress e ansiedade; basicamente ser-se saudável e feliz.

Além disso, é necessário ter uma relação saudável com a comida. Muitas vezes, a comida pode ser fonte de consolo ou um escape ou ambas e, nessas situações, a terapêutica cognitiva e comportamental e o acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico são essenciais. Perder peso não tem que ser um martírio nem tem que ser penoso. Vejamos por outro prisma: alguém doente, isso sim, deve ser um fator de infelicidade; ser-se saudável e equilibrado é suposto trazer felicidade (ninguém, em plena consciência, quer estar doente, a não ser que esteja doente psicologicamente). E se é do senso comum que uma doença se trata com fármacos ou com cirurgia, o mesmo se aplica à obesidade. Existem hoje em dia vários tratamentos que podemos (devemos) oferecer aos nossos doentes. Não nos esqueçamos que além de uma doença, condiciona muitas outras doenças e piora o prognóstico de outras mais, sendo responsável por aumento de morbilidade e mortalidade.

Mas, e quando o doente não nos procura por esse motivo - obesidade - mas por outro motivo qualquer, como fazer para abordar a doença obesidade sem criar estigma, sem molestar nem afastar o doente? Atualmente está preconizada a abordagem dos 5A's :

  • ASK - O iniciar sempre com um pedido de permissão para falar sobre o assunto e explorar se o doente está preparado para a discussão;
  • ASSESS - O avaliar o grau de obesidade (não apenas os números peso e índice de massa corporal, que não passam de números, mas como o organismo está em termos de doença, funcionalidade física e mental), quais os gatilhos/causas, complicações e barreiras ao tratamento;
  • ADVISE - O aconselhar o doente, acerca dos riscos da doença, discutir os benefícios da perda de peso e as opções de tratamento;
  • AGREE - O chegar a um consenso realístico, focado em ganho de saúde e de qualidade de vida (em vez de estabelecer objetivos numéricos);
  • ASSIST - O vamos seguindo o doente, ajustando o tratamento, aconselhando, referenciando, envolvendo outras áreas e especialidades, personalizando os cuidados ao nosso doente em questão e adaptando a terapêutica, porque a vida muda, as condições mudam, os gatilhos mudam e as pessoas também evoluem.

Este acompanhamento, personalizado, adaptado e com foco no doente, envolvendo-o e fazendo-o parte da tomada de decisão traz-nos resultados muito melhores e mais gratificantes. Estamos a dar autonomia e independência ao nosso doente, na gestão de uma doença crónica, sobre a qual não tem culpa, mas sobre a qual pode tomar decisões mais conscientes, informadas e estruturadas. Devemos ser claros e esclarecedores e antecipar os percalços e os problemas que poderão surgir quando o doente abraça este projeto de mudança de estilo de vida e de ganho de saúde e nada melhor do que ter do nosso lado o nosso melhor aliado, o doente. A dupla médico-doente bem articulada e funcional resultará muito melhor e responderá às necessidades que forem surgindo ao longo do tempo. De relembrar que projetos demasiado exigentes e/ou a curto prazo poderão concorrer para situações de ioió (engorda e emagrece) tão frequentes e traumatizantes para os doentes. Quando uma pessoa adota um plano de restrição calórica (para o seu habitual), o organismo responde aumentando a fome, porque quer constância, estabilidade, quer voltar ao que está habituado e, como tal, responde a essa privação, no sentido de se aumentar novamente o aporte calórico. Não nos esqueçamos que se trata de uma vantagem evolutiva - foi precisamente com esta proteção e homeostasia (estabilidade) que o organismo se defendeu e nos permitiu sobreviver, enquanto espécie.

Assim, mais do que reduzir quilos ou chegarmos a um número mágico de roupa ou de balança, importa ser-se saudável, atingir um peso adaptado a cada um (o seu melhor peso) e saber mantê-lo. Nós somos todos diferentes, pelo que achar que existe um único número para todos, uma forma (pré- formatada) que encaixe em todos é só e apenas “fora de moda” e estigmatizante. Façamos o nosso melhor pelos nossos doentes, como mandam as legis artis - vamos ganhar anos de vida e anos de vida com qualidade, acima de tudo.